Categoria: Artigos
Data: 03/06/2024
Desertos e Jardins

A temática da transição energética, especialmente diante de mudanças climáticas com eventos extremos, como atualmente se vê no Rio Grande do Sul, têm sido cada vez mais presente no noticiário nacional e global, assim como nas conversas triviais de pessoas comuns. 

Não há dúvidas de que essa é uma prioridade estratégica para discussão e decisões políticas, econômicas e sociais de países, corporações e instituições sociais em geral, inclusive aquelas de educação e saúde, de natureza comunitária, filantrópica e confessional, como o Mackenzie.

Sem querer forçar a barra, como pode parecer ao leitor desatento (ou preconceituoso, por não ver qualquer relação entre fé, religião, ciência em geral e temáticas ambientais, em particular), é preciso dizer que as escrituras judaico-cristãs são pioneiras há milênios em estabelecer normas, códigos e recomendação de natureza ambiental. É possível falar até de um código ambiental na lei de Moisés.

Desde o uso do solo para agricultura e pecuária, evitando a exaustão da terra e promovendo o uso sustentável das fontes de água, essa visão ancestral de mundo parece indicar que o ser humano temente ao Criador deve ser ambientalista por excelência, pelos melhores motivos e com os melhores propósitos.

Obviamente, que o termo “ambientalista” está eivado de polissemias atravessadas por visões ideológicas e políticas, agendas econômicas e sociais e, por incrível que possa parecer a alguns, eventualmente também firmadas em crenças religiosas. Basta perceber que, grande parte do argumento atual para propugnar pelo cuidado com a natureza, passa pela crença na mãe-terra como um grande organismo vital eivado da energia da vida.

Na mitologia grega, essa fonte sustentadora do ecossistema global, capilarizado em todos os seres vivos, chama-se Gaia, o elemento primordial de potencial generativo, originado de Eurínome, o mar cósmico e de Ofíon, a luz, junto com seus irmãos: Tártaro (o abismo), o Eros (o amor) e Nix (a noite), conforme Hesíodo canta em seus versos. Como se vê, essa cosmogonia aproxima-se e toca, assim como se afasta e se diferencia do relato da criação judaico-cristão em Gênesis, em um movimento tangencial e elíptico, que fundamenta mitologicamente uma ideologia ambiental.

Certamente, nem toda proposta ambiental é religiosa stricto sensu. Muitas são simplesmente, utilitaristas, funcionalistas e pragmáticas. É aquela velha ideia de fazer o bem para sentir-se bem, ou para garantir o futuro dos nossos filhos. Uma espécie de filosofia do “uma mão lava a outra” ou da lei do retorno aplicada à maneira como refletir sobre e como atuar na vida. O resultado comum é que, embora convencido que é vantajoso ou lucrativo, o homo ecologicus médio, daqueles de passeata de rua e cartaz na mão, faz muita fumaça (ops!) e produz pouca energia em prol do desenvolvimento sustentável. 

Afinal de contas, o que tudo isso tem a ver com o título – “Jardins e Desertos”? Essas são duas metáforas distintas que caracterizam, a partir da geografia, mas não restrita a ela, o ambiente e a situação espiritual de pessoas e comunidades. Desertos remetem a tempos de escassez, aridez e provações na caminhada dos que creem e estão em jornada espiritual. Lugares que se deve atravessar, vencer suas hostilidades e superar como símbolo da maturidade que vem da provação.

Nos desertos, batalha-se pela sobrevivência biológica e espiritual. É lugar de não permanecer, nem habitar, mas de aprender lições de um jardim que se deseja, pois, frequentemente, a esperança dos que creem é fundamentada nas promessas divinas de que o destino escatológico do deserto é encontrar uma terra que mana leite e mel. 

No entanto, a palavra hebraica “jardim” não significa lugar aprazível apenas porque é esteticamente belo com suas flores e cores diversas, como se fosse um paisagismo urbano no meio dos desertos de concreto. Os jardins bíblicos são pomares produtivos de vida, subsistência, cultivo e semeadura para novas colheitas, além de fonte de descanso para animais terrestres e aves, em busca das fontes de águas que lhe trazem vigor e fazem a vida vicejar. Nada mais ecologicamente sustentável!

É neste lugar idílico, chamado Éden, que a humanidade tem a sua origem com um mandato cultural – e ecológico! – muito claro: “cultivar e guardar”, ou simplesmente, mantê-lo harmônico e produtivo para o bem de toda a criação, especialmente dos seres humanos. É no jardim que tudo começa. Um jardim expandido para todo o planeta, por meio da produção sustentável. Se hoje, vivemos em desertos de todas as espécies, inclusive desertificações ambientais, é porque aquele casal ambientalista não fez o que hoje se corre atrás para se tentar refazer. 

Por quarenta outras vezes, esse pomar florido e frutífero é mencionado nas Escrituras Sagradas até que chega ao apocalipse, nome aterrorizante e sinônimo do caos completo, no qual a humanidade destruída por pandemias, guerras, fomes etc. terá ultrapassado o ponto do não retorno, inclusive espiritual. Porém, mesmo lá, o Deus que criou tudo, também recriará novos céus e nova terra. Ele renovará todas as coisas e a figura simbólica que o eschaton traz não é outra, senão o de um jardim restaurado, cujo centro é a árvore da vida e cujas folhas servem para a cura das nações. 

De um jardim que, malcuidado, virou deserto, para um deserto que, restaurado, torna-se um jardim renovado, a humanidade constrói sua jornada na terra chamada história. Em nenhum outro ponto desse épico de sobrevivência, o ser humano tem a oportunidade e o dever mais premente de contribuir para a guarda e o cultivo do jardim do Criador, o planeta onde Ele nos deu habitação. 

Com carinho,
Rev. Dr. Robinson Grangeiro Monteiro
Chanceler do Mackenzie

Autor: Chancelaria do Mackenzie   |   Visualizações: 540 pessoas
Compartilhar: Facebook Twitter LinkedIn Whatsapp
  • Procurar



Deixe seu comentário